"Mentiras Sinceras me interessam"
(Cazuza)
"Sina"
Mal o dia anunciava seu nascimento e eu já sentia o peso dos meus atos futuros comprimindo o coração que ainda era meu. Como pode alguém ser tão sórdido a ponto de fazer rolar morro abaixo uma pessoa, uma vida, sem parar? Mas o turno do dia era dele, não meu. E já estava começando. Um leve formigar na ponta dos dedos me dizia que daqui a pouco eu seria apenas um sopro de consciência – ele estava chegando. Em pouco tempo, me dominou por completo.
Ele então se levantou da cama e a acordou, pronto para iniciar o sádico ritual de todos os dias. Sem olhá-la, levou-a pelo braço até o topo da colina, vestida apenas com uma camisola fina. Ela, com um medo duro nos olhos, deixou-se conduzir sem hesitar. Havia aprendido que resistir só machucava mais.
Chegando ao cume, ele a empurrou e ficou a contemplar seu corpo rolando cada vez mais rápido até a base, as marcas do dia anterior se fazendo visíveis. Desceu a encosta enquanto o corpo ia perdendo a velocidade, já bem abaixo. Puxou-a pela camisola até o topo e tornou a empurrá-la, surdo aos gemidos sufocados da mulher. Fez iss outra vez, e outra, e mais outra, até a noite chegar
Com a lua, mês sentidos voltaram a ocupar o corpo que era meu. Um pouco tonto ainda, olhei para ela, imunda e desprotegida, caída sem forças ao pé da colina. Fui até ela e a ajudei a se erguer. Mal agüentando o peso do corpo, ela apoiou-se em mim. Juntos, fomos caminhando em direção à casa, mas logo nos primeiros passos ela não agüentou. Desmaiou.
Levei-a nos braços até nossa casa e deitei-a com cuidado na nossa cama. Com ela ainda desacordada, fui buscar água morna e um pano. Comecei a lavar os ferimentos dela com água e sabonete, bem delicadamente para não a machucar mais do que ele já tinha machucado. Ela não tardou a acordar. Olhou para mim, os olhos ternos exaustos. Olhos de amor sacrificial.
— Eu te amo. – foi, como todos os dias, a primeira coisa que eu disse.
— Eu também te amo. – foi a resposta. Não havia mais nada a dizer.
Voltei a cuidar dos seus machucados. Ela, deitada imóvel na cama, com os olhos fechados que às vezes se contraíam em dor. Havia arranhões por todo o corpo. Suas costas exibiam desenhos estranhos formados pelas linhas rubras e sangrentas. Nos braços, os arranhados feitos pelos galhos secos misturavam-se a marcas arroxeadas de dedos que puxavam e apertavam. A única parte menos atingida pelas quedas era a barriga, que ela protegia com os braços. Nem o lindo rosto da minha amada escapava. Estava todo deformado, marcado, com cortes mais profundos por causa da pele mais fina, o sangue escorrendo em filetes indo tingir seu pescoço.
Machucados limpos, deitei junto a ela. Ela aconchegou a cabeça ao meu ombro e eu a abracei. Fiz carinho em seus cabelos enquanto ela acariciava meu peito. Ficamos assim, olhos fechados, bocas caladas, por minutos que se derramavam longos, deleitosos, sacralizados. Adormecemos.
Acordei no início da madrugada e a despertei com um beijo. Ela acordou e sorriu. Beijou-me. A casa inteira se encheu daquele silêncio leve, que parecia flutuar por todos os aposentos, elevando a casa para onde de mais sublime existisse. Amamo-nos como foi possível. Depois nos afastamos. Já era quase dia e eu não queria que ele despertasse com ela nos braços. Adormeci a contemplá-la, a expressão serena no rosto mutilado.
O novo nascer do Sol o trouxe de volta ao domínio do meu corpo. UM formigamento partia dos dedos e enlaçava meu corpo como uma enorme sucuri. Uma vertigem que confundia meus sentidos. Corpo pesado, olhos fechados. A respiração tornando-se acelerada, aquele jeito ansioso dele de respirar, como se temesse perder o ar a cada expiração.
Fez tudo como sempre fazia. Levantou-se e a acordou rispidamente. Pelo braço, levou-a ao topo da colina e a fez rolar até embaixo. Arrastou-a de volta ao topo e mais uma vez a empurrou. Dessa vez, porém, ela fez uma coisa que nunca tinha feito antes. Gritou meu nome enquanto rolava.
— Gabriel!
Ao ouvir a voz dela me chamando, a influência dele sobre mim cessou. De uma vez, sem demora, sem tontura, assumi o controle do meu corpo. Corri o mais depressa possível para ela, mas ela já estava longe. Só a alcancei quando seu corpo parou de rolar. Fui ao seu encontro e toquei seu rosto. Afastei uma mecha de cabelo que lhe cobria os olhos e a beijei na testa.
Mas foi só o que aconteceu. Como o tapa que liberta o choro contido do bebê, ele apareceu e reassumiu o controle do corpo. Em sua face agora transparecia um novo ódio. Avançou para cima dela com fúria. Ela se defendeu.
“Agüente firme.” – foi o que pensei.
— Por que você fica? – foi o que disseram meus lábios e a voz dele.
— Porque o amo.
— Vá embora!
— Não vou.
Com a raiva multiplicada, ele investiu com mais força contra ela. Ela reagiu como pôde, debilitada mas com firmeza. Ele agarrou seu pescoço, ela tentou se desvencilhar. Apertou mais forte. Ela, se debatendo, acertou-lhe um chute no joelho que o fez cair. Largou-a. Ela correu, trôpega, mas caiu logo em seguida. Ele a alcançou. Rolaram os dois em uma confusão de braços e chutes. Ela tentava acertá-lo na cabeça para que desmaiasse; ele ainda mirava seu pescoço. Ele conseguiu imobilizá-la. Agarrou-lhe o pescoço, dessa vez para não soltar. Ela ainda lutou, mas os dedos comprimiam-lhe cada vez mais a garganta. Ele a olhava com fome, os olhos iluminados de ódio.
O rosto dela foi ficando mais rubro e a vida que existia em seus olhos, se apagando. Sem aviso, sua cabeça tombou para o lado, pendendo inerte sobre a mão dele.
— Não! – gritei. E, para minha surpresa, meu grito ecoou na colina. Horrorizado, olhei para baixo. Eu sentia entre minhas mãos a pele adorada dela.
Soltei seu pescoço rapidamente e a abracei, transtornado. Fiquei ali, abraçado a ela, beijando-a compulsivamente nos cabelos, o sal das minhas lágrimas esparramando-se sobre seus olhos. Permaneci assim até meu pranto secar e tornar-se um soluçar dolorido e depois em suspiros afetados, cada vez mais espaçados. Já era noite quando levei seu corpo para a nossa casa.
Ainda inconsolável, porém mais calmo, coloquei-o na nossa cama. Fui até o banheiro e lavei meu rosto. Ao levantar a cabeça, lá estava ele. Nossos olhos se encontraram pela primeira vez. Os meus, com ódio; os dele, não.
— Por quê? – perguntei.
— Porque te amo.
(Carolina Zuppo Abed - Querida MÃE)
"Teu laço"
O laço de cetim branco
Eis ai todo meu desejo
Enquanto jovens pensam,
Eu poeta sonho. Com o toque
Do laço de cetim branco
Aperto-lhe contra o peito
Amo-o,
E peço aos Deuses que ele,
(o laço) passei, levemente
Entre meus dedos.
(Raoni Silva Moura)
quinta-feira, 4 de setembro de 2008
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7 comentários:
não sei por que, mas ao ler o poema a fita de cetim me pareceu muito pertencer à filha do rei!
filhote!!! vc é inacreditável! é um fofo!!! =)
bom, qto ao poema, vc sabe q eu odeio comentar... só posso dizer como eu achei macio, belo, delicado, profundo, suave, amado, inteiro.
e qto ao conto... eu é q não vou comentar, né!
ah! e mais uma coisa! importante de ser dita: o conto "Sina" foi livremente (e descaradamente) inspirado em um conto de uma mulher chamada Marina Colasanti. só para constar. não acredito muito na idéia de autoria, nem na de plágio, mas créditos a quem de direito!
Muito interessante, sem dúvida alguma!!! Comecei a ler sem a intenção de terminar, mas não consegui parar no meio!! Muito intenso! Parabéns à escritora, independente da inspiração livre ou não...rs.!!
Bjinhus Roniii!!
Obrigado pela colaboração e atenção Lais. Apareça mais vezes.
conto excelente, é possível ver traços de uma escritora incipiente mas com características que a levarão a se tornar mais uma grande contista desse país...
Já o poema é razoável...hauhauahuahuah... brincadeira mtu bom sincero, profundo apaixonado
bjaum ronizinhu
Legal! Voltarei para ver as novidades!
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