domingo, 28 de junho de 2009

"O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais."
(Guimarães Rosa)


Um velho


Um velho. Ali, sentado, o velho. A praça à sua volta parecia integrar-se à sua presença quieta. O ar silencioso, fresco, sem brisa que movimentasse as folhas daquelas árvores que por respeito escondiam um pouco do seu verde. Passarinhos não havia. Se havia, não cantavam; se cantavam, não se ouvia. Os ouvidos estavam mudos para o que vinha de fora. Fora? Não. Não havia espaço. Estava tudo dentro. Velho e praça: um dentro indissociável. Integrado, único: o retrato de um velho em paisagem.

O banco era cinza como as calças do velho. Imóvel como as calças do velho. Firme como as pernas do velho. As mãos apoiadas nos joelhos. Parecia esperar. Parecia aceitar.

Os ponteiros parados. O corpo imóvel, a mente vazia, os sentimentos cansados. “Faz tempo...”. Uns olhos miúdos absorviam quietos o que o mundo ainda podia lhes dar, enquanto afundavam solenes naquele mar leitoso de bonança. Entregues que estavam à contemplação estática, mantinham-se abertos por tempos infindáveis, até um manto descer-lhes sobre a vida para em seguida elevar-se, revelando que ainda estavam ali.

Músculo obstinado, o coração, batia. Cada vez menos, sempre menos. O velho, mais velho. Cada vez mais, sempre mais. Tum tum, ecoava pela praça; Tum tum. Sentia-se a lenta cadência na carne das coisas. E o velho, mais velho. Acreditava-se que não duraria muito mais. Fazia tempo. Mas o velho – mais, mais velho – continuava.


Carolina Zuppo Abed

quinta-feira, 4 de junho de 2009

"Você tem meia hora
Pra mudar a minha vida"
(Adriana Calcanhoto)

Romântico

Eu nasci romântico,
voltado para o amor,
mas logo veio você
e errou.

Depois veio outra
E também errou
Tantas, nem sei
Não era assim.

Desculpas? Tudo bem!
Sorrisos à vontade
Tantas que amei
Já nem lembro.

Antes rimas fortes
Hoje versos fracos
De quem já cansou,
Solidão.

Nem na essência
Talvez tenha ficado
Vestígios dos tempos antigos
Retratos.

Já foi amor,
eu cresci romântico,
eu chorei romântico,
eu amei romântico.

Raoni Silva Moura




FRIO

No teu abraço o calor febril
Um frio que sufoca o corpo quente
O calor amargo do café gelado
O riso profundo de um sorriso amarelado.

Do teu sexo o fundo ralo
De um íntimo prazer que sustenta
O desejo pelo corpo, pela carne
Afastando a alma de mim mesmo.

Raoni Silva Moura