Dedicado ao meu pai José Antonio de Moura (http://www.dicassobrenada.blogspot.com/)
Eu tinha sete anos. A mão colada à do meu pai suava. Eu a apertava com força. Nós subíamos a rampa e aos poucos os gritos da torcida ficavam mais claros. A batida dos tambores entrava em meus ouvidos e “BUM”, alterava as batidas do meu coração, acelerado, forte, e eu me lembro, gostava daquilo.
O mundo estava fechado, resumido naquele enorme tapete verde. “BUM”, e o coração batia fora do compasso. Eu não acreditava, era final de campeonato, e a minha primeira vez.
O apito do árbitro sacudiu ainda mais a torcida e o meu coração. Este sabia do que precisava. Queria a qualquer custo desabafar o grita da glória junto à multidão que cantava e batucava com mais ritmo que ele próprio.
A bola rolava. Um passe pra cá. Levanta a bola na esquerda. Volta a bola. Defesa e ataque armados, estrategicamente posicionados. Outro toque, com classe, na frente para o lateral que passava como um pássaro. As torcidas se levantam. Vem o cruzamento. Ele domina, chuta... Na trave! Huuuuu dizia em uníssono a torcida adversária. Pensei na derrota, e não gostei nem um pouco.
O jogo corria, e eu junto. Andava de um lado ao outro dentro daquele um metro que eu tinha de espaço. O grito que eu tanto queria não saia, parecia preso, arranhava a garganta, me sufocava e me deixava ainda mais tenso. Eu nunca tinha feito aquilo, eu precisava.
Roubada de bola no meio campo, contra-ataque. Num piscar de olhos a chama da minha felicidade acendeu. Era agora. - Vira a bola, vira a bola; eu gritei, implorei e ele obedeceu, como se eu estivesse falando ao seu ouvido. Mais um toque e ela chegaria. Gritei, sabia que ele me ouviria: - Toca; e ele tocou. Ela estava agora nos pés do artilheiro, que olhou, nos olhos do goleiro, no gol, e bateu. Com classe, com aquele toque de mestre, com categoria. O mundo agora não era mais todo o tapete verde, ele se resumia entre a posição da bola e a linha do gol.
Em câmara lenta a bola saiu dos pés do craque e partiu em direção à glória. Os olhos do guardião da honra foram aos poucos se virando para trás e acompanhando a sutil trajetória daquele míssil que sem ferir lhe causaria dor. Ela foi girando, rodando no ar, desfilando... E saiu pela linha de fundo, rente à trave.
As três letras sagradas já estavam pra fora da boca quando aquela bola saiu. Nós precisávamos de mais um lance, só mais um e aquela bola entraria, eu sentia isso, eu tinha certeza.
Mas o lance não vinha, ambas as torcidas agora já pareciam não acreditar que aquilo estava acontecendo.
O tempo passava e nada do grito sair. Os técnicos trocavam os jogadores, mas nada parecia ser capaz de decidir qual daqueles times era o melhor. Apenas eu era capaz. E o melhor era o meu.
Eles vinham com a bola, em velocidade, eram quatro contra três, defesa desarmada. O quarto árbitro levantava a placa dos acréscimos; três minutos. Um passe, errado: Contra ataque. Era esse o lance, eu sabia. Ele correu, passou pelo círculo central, levantou a cabeça e viu o craque, o artilheiro, sozinho, implorando por ela. O toque; como era gostoso ver a bola rolar naquele tapete. Ela deslizava, passeava como se estivesse ali pra ser cuidada, rolava com seu destino certo. Com um domínio preciso o craque a colocou em sua posse. Levantou o queixo, empinou o nariz como quem diz: Eu sou o cara, e ele era.
Não havia mais ninguém. Era o goleiro e o gol. Ele bateu.
Em silêncio absoluto todos ali só olhavam a bola. Éramos quase sessenta mil, olhando só pra ela. Que destino poderia ter aquela bola? Ela tinha que passar a linha. A linha que dividia a vida. De um lado ficariam os gloriosos, do outro os derrotados. Era o céu e o inferno representados em uma linha de um campo de futebol. Era o gol da alegria e o gol da tristeza. O gol do título e o gol da derrota. Era o gol do céu e o gol do inferno.
Eu jamais esquecerei, depois daquele dia eu nunca mais tive sete anos.
Raoni Silva Moura
quarta-feira, 12 de novembro de 2008
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